No fim da década de 1980, nos Estados Unidos, um grupo de políticos republicanos tentou abolir as verbas públicas para arte que mostrasse homossexualidade, feminismo, racismo e outros temas controversos. As "Guerras da Cultura" — como a polêmica ficou conhecida — foram em parte desencadeadas pelas imagens sadomasoquistas e homoerotismo de fotógrafos como Robert Mapplethorpe (1946-1989). No livro A Câmara Clara, Roland Barthes usa esta fotografia de Mapplethorpe para distinguir a foto erótica da foto pornográfica. A pornografia representa o sexo, faz dele um objeto imóvel (um fetiche). A foto erótica, ao contrário, não faz do sexo um objeto central, ela pode muito bem não mostrá-lo; ela leva o espectador para fora de seu enquadramento. "Como se a imagem lançasse o desejo para além daquilo que ela dá a ver: não somente para 'o resto' da nudez, não somente para o fantasma de uma prática, mas para a excelência absoluta de um ser, alma e corpo intricados" ● As obras da série Braile, de León Ferrari (1920-2013), superpõe textos escritos em braile sobre reproduções de fotografias de corpos nus, imagens religiosas ou elementos de tortura, o que obriga o espectador a um paradoxo: deve-se tocar — mais precisamente percorrer a superfície do papel diante do eventual olhar dos outros. Esse contato, no entanto, não dará ao visitante a informação que procura. Tudo o que pode ver está compelido a um ato cego. "Para Ferrari, as questões de poder são debatidas e inseridas no terreno do corpo. É nesse espaço íntimo onde se define o alcance da liberdade de uma civilização. Convertido em testemunha, crítico e historiador, o artista rastreou a trama com a qual o poder político e religioso fez do corpo um campo de batalha: A arte, meu filho, é uma mulher muito bonita que chora quando a deixam sozinha. Às vezes a vemos muito digna com chapéus emplumados veludos e colares entre senhores que a convidam com champanhe. Às vezes alguns tantos sacerdotes acomodam-na em um altar e a nomeiam a grande virgem de uma hermética religião. Mas às vezes também por sorte e com todo seu beneplácito um bando escandaloso a rouba da igreja e a leva em procissão deita-a em um matagal e lhe arranca as quatro vestes e entre uivos e gargalhadas procede à fornicação conscienciosamente (isto é o que se chama etapa de gestação). Quando vir esta cerimônia, meu filho, não pare para escutar os prantos e lamentos de ciúmes e invejas dos frades e senhores que não a fizeram gozar" ● Capa e meia página do livro Pornografie, de Klaus Staeck, traz uma seleção de 286 fotos publicadas na imprensa: vítimas da Guerra do Vietnã, prisioneiros sendo torturados, brigas de rua, brutalidade policial, um manifesto sobre a violência do século XXI, tão sem sentido, tão obscena ● Segundo o filósofo alemão Herbert Marcuse (1898-1979), "a repressão sexual e a repressão social são indissociáveis em nossa cultura. Denunciou inclusive a aparente tolerância existente no liberalismo de certas sociedades industriais avançadas como uma pseudoliberdade, conduzindo no fundo ao conformismo".
© Robert Mapplethorpe, autorretrato, polaroid, 1975. Link Robert Mapplethorpe Foundation (Tudo sobre fotografia, editora geral Juliet Hacking, tradução Fabiano Morais, Fernanda Abreu e Ivo Korytowski, Sextante, 2012) / © León Ferrari, Sem título, 2004, poema União livre, de André Bretón, escrito em braile sobre fotografia de © Ferdinando Scianna. Col. Alicia e León Ferrari / A arte, manuscrito, 1964 (León Ferrari: retrospectiva. Obras 1954-2006, Andrea Giunta (edição e organização), tradução Ana Paula Gomes, Cosac Naify, 2006) / © Klaus Staeck, Pornografie, Steinbach, Giessen: Anabas-Verlag, Günter Kampf, 1971. Link Klaus Staeck / (Hilton Japiassú, Danilo Marcondes, Dicionário básico de filosofia, Jorge Zahar Editora, 2008)