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sábado, 13 de outubro de 2018

Índios


"Na origem de todos os relatos sobre o Brasil está a memória de um viajante alemão, Hans Staden, que narra sua estada entre os índios brasileiros. Tomado por português e inimigo, Stadem é preso pelos Tupinambás, ameaçado de morte e devoração canibal. A astúcia de Staden consiste em se colocar como instrumento da vontade divina e na sua capacidade de predizer fenômenos da natureza e, desse modo, simular controle sobre os índios". A narrativa de seu cativeiro junto aos índios Tupinambás, causou grande impacto desde a época de sua primeira publicação, em 1557. A reedição mais importante é a de Theodore De Bry, publicação ilustrada sob orientação de Staden, para tornar o relato verossímil  Extinção, editorial da revista Piseagrama: "Preocupado com o empobrecimento do solo pela devastação das florestas, estimadas em 1,5 milhões de quilômetros quadrados, e alarmado pela possibilidade de uma calamidade pública nacional com o esgotamento das matas, o Ministério da Agricultura lançou, em 1958, o Plano Nacional de Reflorestamento, convocando todo brasileiro a ser  'um amigo da pátria plantando árvores'. O Serviço de Proteção aos Índios (SPI), que em 1967 passaria a se chamar Funai, aderiu ao plano naquele mesmo ano, comprometendo-se a distribuir 50 mil mudas, principalmente de árvores frutíferas, entre os diversos Postos Indígenas Avançados pelo país. O objetivo, divulgava-se, era incentivar entre os indígenas o amor às árvores. As mudas, conseguidas nas próprias regiões, eram ensacadas ou plantadas em latas descartadas pelas frenéticas obras rodoviárias em curso e distribuídas nas aldeias. Passadas quase seis décadas, a fotografia da chegada das plantas aos Yawalapiti, tidos naquele momento como praticamente extintos, guarda a profecia das imagens xamânicas: enquanto os índios se multiplicam cultivando a floresta, apesar dos planos persistentes e sistemáticos para dizimá-los, os amigos da pátria derrubam árvores como nunca antes na história desse país"  O cartaz 30 Posters on environment and development - Eco 92, de Rafic Farah, "é uma colagem composta por um recorte da conhecida figura de um índio brasileiro com o arco retesado, feita por Rugendas no século XIX; no fundo, páginas justapostas de uma lista telefônica, sugerindo uma multidão indistinta de alvos potenciais da flecha prestes a ser lançada. O índio, habitante original das terras brasileiras, é visto assim como o defensor da natureza, em luta contra os inimigos dela, representados pela massa 'urbana e civilizada'."  "Deveríamos repensar toda a questão da cultura indígena e nossa relação com ela, como sugeria o antropólogo francês Pierre Clastres, que viveu entre várias etnias no Brasil. Ele lembrava que nós, 'civilizados', costumamo-nos referir a índios não pelo que eles têm, mas sim pelo que não têm — não usam roupas, não têm dinheiro, não dominam nossas tecnologias. Esquecemo-nos da força de culturas em que a sociedade não delega poder a ninguém (o chefe não manda, não dá ordens; é o que mais sabe dessa cultura, da divisão do trabalho; é o grande mediador de conflitos). Um índio na força de sua cultura também não depende de ninguém: sabe fazer tudo de que precisa — a casa, a roça, seus objetos do cotidiano. E a informação é aberta, o que um sabe todos podem saber; como todos são autossuficientes, ninguém domina ninguém. É o que Clastres chama de 'democracia do consenso'. Uma boa lição para quem está vivendo, hoje, os dramas da relação da nossa sociedade com o poder." (Washington Novaes)
Detalhe da gravura Preparo da carne humana em episódio canibal, de Theodore De Bry (Ana Maria de Moraes Belluzzo, O Brasil dos viajantes, Objetiva, Metalivros, 1999) / Foto autor desconhecido, índia Yawalapiti, 1958. Na divulgação da capa, o Facebook bloqueou a página da revista, que retratava uma índia com seios nus (Extinção, PISEAGRAMA, Belo Horizonte, número 8, página 1, 2015 / Link Piseagrama/ © Rafic Farah, 30 Posters on environment and development - Eco Rio 92 (Chico Homem de Melo e Elaine Ramos, Linha do tempo do design gráfico no Brasil, Cosac Naify, 2011) / Washington Novaes, trecho de seu artigo Aprender com o índio, não tentar destruí-lo, O Estado de S. Paulo, 2016 / Cartaz Simpósio sobre Pierre Clastres, IMEC, 2017 / Foto © Claude Lévi-Strauss, índio Bororo (1935-1939).